quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Pedro Gabriel Ferreira:

E O CORDEIRO

JAZ

NA RUA DA

MOEDA

 

pro meu pai, pra minha mãe, e pra você.

“Diga-me:

Quantas batidas do teu coração faz que você não fode?

Uísque escorrendo por trás do teu cabelo úmido

Bitucas & Sofá & A Janela Do Teu Apartamento Mau Iluminado

Tudo isso, tudo isso, é Iluminação, meu amigo.”

- Alberto Cigano: A Macaxeira Semiótica

1: E NO PRINCÍPIO HAVIA

Nasce a Cidade do Homem nasce da Cidade.

Toda essa estrutura de pedra & sangue que paira acima de nossa prepotência, segue voando através do materialismo, metamorfosicamente imutável, vomitando espaços vazios que se preenchem quase que imediatamente pela praga que a matém funcionando. É assim, é assim que é, kid, não adianta ficar fazendo socioetnohistorigrafia: aliás, essa merda aí sai mesmo é do cu dela.

Saiu, pelos poros ou vomitado ou cuspido, um dia, José, o mesmo desde o séc. 19, já preparado pelo meio que é essa sua Mãe Louca flutuando imemoriavelmente, uma vez Zé hoje Joe Sevirino, herói moderno que é antes de tudo um fraco. Sua Mãe abençoou-o dando todo Seu corpo para ele viver, cobrindo-o de Suas lágrimas com as pontes sujas e alimentando-o com os bichinhos que pulavam do mangue, pretinhos pretinhos que nem Seu meninote. Joe cresceu pronto franzino, o que já era de ser esperar, e a bullshit naturalista retoricaria tratados joerísticos, o que não nos interessa aqui: sabemos eu e você como enche o saco um menino de rua.

Mas chocam-se as contradições e a vida de Joe destina-se a algum ponto:

2: O TRÁGICO FIM DE TODOS NÓS

Joezito um dia cheirou tanta cola de sapateiro e a porra toda que seu cérebro entrou num colapso quixotesco e ele desapareceu na Rua da Moeda pra dentro de uma outra dimensão mental deixando apenas como prova de sua existência passada uma sandália havaiana e um bilhete de amor de sua antiga namoradinha Jéssica que após o trágico fim do seu nego chorou histericamente até que passou a nóia e ela voltou pro seu ponto no Cais de Santa Rita. Hoje em dia ela não sabe mais de Joe existiu ou não.

notícia extraída da Folha de Pernambuco

3: uma viagem lisérgica pra dentro da barriga da Morte

Flutuando, flutuando, flutuando, eu entro pra dentro de uma barriga, as contrações ao contrário me devolvem pro que antes havia sido um mundo inteiro, eu chego, chego, chego, é como se eu tivesse comendo alguém tudo apertadinho e quentinho, a vontade que dá é de me encolher e simplesmente gozar, gozar, gozar, como se fosse a primeira vez, a primeira punheta, é sempre a mais sagrada de todas gravada no seu inconsciente para todo o sempre, a descoberta de que você é parte daquilo que te fez, você de repente é tudo aquilo que foi antes de você, é como virar um rei ou um deus, sei lá, ao descobrir o que é na verdade a vida, e é isso também a morte, voltar pro início de tudo, descobrir que o que você não é é aquilo que você não fez mas que de um jeito você fez porque é tudo igual no final das contas, morrer é isso, como se fosse a primeira punheta, a primeira vez que você goza, morrer é masturbação, morrer é masturbar-se, masturbar-se, masturbar-se.

É isso e muito mais, meu querido Joe, você perceberá isso quando abrir os olhos, finalmente abriu, o que você vê? O sol está brilhando quente refletido na areia clara, não existe mais a Cidade, onde você está, está morto é o que você pensa, mas se morrer é voltar ao início, é melhor você tentar perguntar: mas que início? É as origens, mô véi, acho que é isso mesmo, o sertão é dentro da gente, não é? Se você morreu ou não isso pouco importa agora: procure um telhado pra se cobrir que o sol ta foda mesmo, uma sombra pra pisar, as havaianas ficaram do outro lado do muro, vai criar bolha na sola do pé, vai estourar, virar ferida, gangrenar e ai você vai morrer mesmo, vai meu filho, se mexa que quem fica parado é poste, pra trepar a gente anda pra fazer a gente manda?

Eu bem que tentei fazer literatura moderna.

4: EU NÃO ACREDITO EM BRUXA, MAS QUE ELAS EXISTEM, EXISTEM

A casa era de barro, manchada de melancolia e de adeus.

De dentro vinha uma escuridão que abocanhava a música, deixando apenas o silêncio de sobra, o que tornava tudo muito bizarro. Mas Joe era cabra macho de agüentar botada de menino mais velho sem chorar nem uma lágrimazinha só. Andando na ponta dos dedos, advertido, pra não foder com o pé, chegou pertinho da sombra e gritou: ô de dentro!

Do silêncio escapou uma voz de velha medonha que nem bruxa gritando vá simbora que sinão eu te capo porra, mas Joe era cabra macho de fazer blowjob pra ganhar dinheiro pra poder comprar heroína porque ele não teme virar junkie não senhor e se manteve firme na frente da porta pra gritar de novo ô de dentro!

A bruxa notou a macheza de Joe e saiu pra ver quem era o cabra, mas quem viu foi Joe que ela não era bruxa não, e sim uma velhinha sertaneja dessas com cara de cu de tanta ruga, inofensiva inofensiva e aí Joe ficou mais quieto, porque apesar de não ser medroso nunca tinha visto bruxa real que na verdade não fosse travesti. A velhinha olhou pra Joe de cima pra baixo e disse:

- Meu filho, desculpe essa véia, mas é que aqui tá cheio de bandoleiro desordeiro covarde que entra nas casa dos fraco pra tirar os pertence dos outro...

- A sinhora me dá água?

- Ô meu filho, dô sim, mas entre aqui, chegue.

Por dentro era pior ainda. Tudo era grande, mas fodido e sujo. Joe acompanhou a velhinha até a cozinha, que só tinha uma jarra de barro grande e nada de comer. A velha pegou água da jarra de deu pro nosso herói beber, e ele se deliciou. Ai perguntou:

- A sinhora vive mais quem?

- Ah meu filho, eu vivo sozinha. Meu marido morreu faz tempo e meus filhos tão tudo em São Paulo, só que nunca me deram notícia depois que se foram. Agora a vida ta difícil porque eu num posso mais trabalhá, meu corpo num deixa mais, e eu vivo das ajuda dos outro. Mas com esses bandoleiro alarmando a região ninguém mais se atreve a vir pra cá com medo de que eles pegue e coma. A comida acabou e eu não sei mais como vou ficar, acho que só o que me resta é esperar vir o tempo de eu ir me juntar mais meu véio...

Joe ficou com muita pena da velhinha que deu água pra ele. Pensou e pensou num jeito de ajudar, mas ele não tinha nada pra oferecer, que tava tão fodido quanto ela. No fim, só conseguiu pensar no básico:

- A sinhorinha disse que seu marido morreu faz tempo.

- Disse...

- Eu não tenho nada pra oferecer, mas se a sinhorinha quiser, eu tiro seu atraso.

Os olhos da velha brilharam, e seu sorriso contraiu toda a cara enrrugada num esgar sem dentes horroroso, o que fez Joe se arrepender de ter aprendido a falar.

Joe se despediu da velhinha ainda sorridente. Foi respondendo os acenos até que eles sumiram depois de uma curva. Viu uma pedra grande, sentou e chorou. Joe era cabra macho mesmo, mas pra tudo tem limite.