quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

12: O SANTO

Caído no chão sua mente o escondia na noite. Ele tinha barro ao rosto, mas não se ousava mexer: mexer-se seria provar que não tinha porque desistir. Desejava a desistência: a culpa era sempre dos tropeções. Viver é tropeçar. Caído assim não se vive: it´s a way of death.

Passos distantes, mais pertos. O esforço: virar o rosto. De cima o olhava o pai-de-santo, piedoso-cínico-sábio: a combinação mais humilhante possível. Joe fez uma careta, o pai-de-santo deu a mão: te humilhar é inevitável.

Sentado, fez uma tentativa ridícula de falso prestidigitador: tirar um orgulho da cartola: que é que tu quer? Olhou de soslaio, meio que fazendo pose, meio que temendo o golpe. Veio nada; ou melhor, veio o pior: um conselho, tiro de 12 na cabeça do orgulho:

- Tu ta perdido, fio. Tu não sabe mais de-onde-vem-pra-onde-vai, questão véia nesse mundo. Tu é um clichê ocidental. Só tu que ainda não entendeu o que aconteceu contigo, naquela noite quente recifense. Não é, Zé? Só tu não viu o que é esse sertão, porque tu sempre foi cego pra contigo. Mas tu vai fazer o que? Ficar cuspindo na terra, se escondendo de que? Pra tudo tem jeito, fio. Te levanta, isso. Ta vendo aqueles morro ali? Ali tem sábio véio, o maior ermitão de todos os sertões do mundo. Tu vai lá, pergunta por Capitão Canudinho; ele te dá a resposta pra teus medos. Deixa de frescura e anda, que só assim a gente sai do canto. Por que? Só tu ainda não entendeu, pequeno, porque tu é cego demais, e isso é tua perdição. Tu é o clichê ocidental, já te disse; lembra disso. Mas Canudinho há de te abrir as vista, há se vai; e tu há de ser grande. Escuta o que eu te digo: TU HÁ DE SER GRANDE, JOE! Hahahahaha!

Pai-de-santo gargalhando montou nos exu e saiu voando num pé-de-vento; só então Joe percebeu que estava em encruzilhada.

É nova a velha jornada do herói. No céu só o escuro: a lua se escondia atrás da vergonha. No longe os morros parecem brilhar; não existe caminho a seguir, a escolher. Joe está cansado. Esteve sempre cansado. A vida foi um cansaço imenso, e agora que não sabe de nada, a morte lhe parece o retorno à vida. Joe reencarnou em si mesmo. Joe voltou para o que sempre foi, e é isso que o esgota, esse eterno retorno pessoal. Mas no escuro o brilho salva. Joe é mendigo, mas todo grande santo foi um grande mendigo. Cada passo em direção ao Capitão Canudinho é um passo em direção à salvação. Joe se ilumina, na dor. No chão. Na carne. Joe não sabe que vira santo, mas o coração sabe. Joe é brasileiro. Joe é messias. Joe se salva... e é nessas horas, na vida dos santos, que surge a contramão:

Do chão abriu um buraco: fogo e enxofre. Joe protegeu o rosto do calor com a mão; as risadas feriam os ouvidos. Vermelho, chifrudo, com pata de bode: é ele mesmo, com tudo o que tem direito. Joe se assustou, deu um passo pra trás, mas a perna que já desconfiava manteve o pé firme; alguma coisa nele quer lutar. O outro nem espera: joga a capa pro lado, acende um cigarro, olha nos olhos de Joe e começa seu trabalho:

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